O comboio no Concelho de Barcelos

Por José Salvador Ballester

A Linha do Minho é uma ligação ferroviária no norte de Portugal que liga a cidade do Porto à cidade de Valença, na fronteira com Espanha..

 

 O início das obras de tamanha empreitada aconteceu a 8 de Maio de 1872, tendo a ligação Porto (Campanhã) até Nine, com a extensão de 39 km, sido inaugurada e posta à exploração a 20 de Maio de 1875. Mais de dois anos depois, a 21 de Outubro de 1877, a curta ligação, de cerca de 11 km até Barcelos, seria então inaugurada.

No dia 1 de Julho de 1878 a ligação de cerca de 54 km que une Barcelos a Caminha fica concluída, e, no dia 15 de Janeiro de 1879, a ligação de 21 km de Caminha a S. Pedro da Torre. Finalmente, no dia 6 de Agosto, ficam completos os 4 km de ligação até Valença.

A ligação dos 11 km que separam Nine de Barcelos compreende a passagem sobre o rio Cávado. Para esta travessia seria necessário construir uma ponte. É, logo após a conclusão da ligação ferroviária até Braga, em 20 de Maio de 1875, que, em Outubro do mesmo ano, são iniciadas diligências para a construção de três obras de arte de extrema importância para a continuidade do troço até Viana do Castelo: as pontes sobre o rio Cávado, Neiva e Lima.

As casas Cail & Cª, Sociedade Francesa de Batignolles, Gustave Eiffel & Cª e Fives-Lille, enviam as suas propostas, sendo a da casa Eiffel a eleita para a empreitada com um valor inferior em cerca de 80,000 francos ao da proposta mais próxima.

Fig. 1 – Linha do Minho

Em 21 de Setembro de 1876, a Junta Consultiva aprova o caderno de encargos, e o contrato de adjudicação foi assinado com data de 28 do mesmo mês e ano pelo valor de 29,700$000 réis (165,000 fr) devendo a obra terminar em 22 de Março de 1877.

 


Fig. 2 - Projeto da casa G. Eiffel & Cª

A ponte seria constituída por três vãos, sendo que o do tramo central teria 48,608 m e os vãos dos tramos marginais 40,796 m, perfazendo um total de 130,200 m (Fig. 2). Os pilares seriam constituídos por colunas metálicas cheias com betão, com 2,2 m de diâmetro, as travessas onde assentam os carris seriam de carvalho do norte.

Em 21 de Abril de 1877, já com cerca de um mês de atraso, a casa Eiffel pede uma prorrogação do prazo para 31 de Julho, o que lhe é negado com o adiamento apenas até 10 de Julho. A justificação para este pedido de adiamento teve como argumento as grandes cheias ocorridas no Cávado a 3 de Dezembro do ano anterior.

A ponte seria inaugurada a 21 de Outubro de 1877, ficando assim estabelecida a ligação ferroviária do Porto até Barcelos.

 

Fig. 3 – Notícia da abertura da Estação de Barcelos

Esta ligação teria eco na vizinha Galiza, Espanha (Fig. 4), para cativar passageiros de Vigo, Ourense e todo o sul da província de Pontevedra, trazendo-os e levando-os para Madrid, com volta por Cáceres, um percurso que se realizava em apenas 34 horas, em alternativa ao largo e penoso trajeto que havia que realizar em diligência, que além de lento era mais caro (Fig. 5).

À época o comboio na Galiza ainda era um meio de transporte pouco implantado. Apenas em 1881 seria inaugurada a linha Vigo-Ourense; em 1884, a ligação a Tuy e a ponte sobre o Minho, fazendo-se a ligação internacional apenas em 1886. A ligação Vigo-Madrid ficaria concluída em 1885 ao entrar ao serviço a ligação Ourense-Monforte, fazendo os comboios mais rápidos essa ligação em 29 horas. (1)

 

                Fig. 4 – Anúncios na imprensa da vizinha Galiza.


A passagem do comboio por Barcelos com a construção da sua estação, nos arredores da então vila, levaria a que se fixassem empresas nas suas imediações (Fig. 7). A primeira a aproveitar esta forma de logística para receção e escoamento dos seus produtos foi, em 1906, a fábrica de serração chamada Serreria J. Salort, filial da homónima instalada em Tuy, nas margens do Minho, desde 1902 e propriedade da família Riera Vallalta, do médico Juan Salort e de Juan Bautista Domenech y Domenech. A administração desta empresa seria entregue a José Domenech y Domenech, irmão de Juan B. Domenech Y Domenech. Outra grande empresa que se instalou também junto à estação e montando um ramal próprio no ano de 1920 foi a Fábrica de Moagem do Cávado. (2)

 As Festas das Cruzes foram também contempladas em vários anos com comboios especiais e a preços reduzidos, cativando romeiros de outras localidades para as suas festas, conforme se pode observar em vários programas das ditas festividades (Fig. 6).


Fig. 5 – Cartaz do serviço a Madrid por Portugal e Cáceres

Fig. 6 – Anúncio de jornal dos horários durante as Festas das Cruzes de 1912


Fig. 7 – Estação de Barcelos (cerca do início do século XX)

Fig. 8 – Espera da chegada do comboio com El-Rei D. Manuel II, 1908 (Bilhete Postal, Ed. Delfino Esteves – Barcelos)

Fig. 9 – Paço de Aborim e linha do comboio

 Com a construção da Linha do Minho e na sua passagem pela freguesia de Aborim, uma das torres da primitiva edificação senhorial do Paço de Aborim, e por decisão do engenheiro francês responsável pela implementação do caminho de ferro, foi demolida. Com a consequente desvalorização do imóvel, este engenheiro viria a adquirir o Paço, conferindo-lhe após uma remodelação, um aspeto medieval.


 
Fig. 10 – Viaduto de Durrães ou Ponte Seca

Quando D. Manuel II realizou a sua visita ao Norte de Portugal, utilizou o comboio desde o Porto até às várias localidades a que se deslocou. Esse momento ficou registado em Barcelos por um raro bilhete postal editado por Delfino Esteves (Fig. 8), em que os populares aguardam a passagem de Sua Majestade na estação de comboio no dia 17 de Novembro de 1908. A paragem seria apenas para saudar os populares e de imediato seguiria partindo em direção a Viana do Castelo. O conselheiro Manuel Inácio de Amorim Novais Leite residente em Durrães, e a quem o monarca já havia confirmado e aceite o convite que este lhe havia endereçado de um almoço, aconselhou parar o comboio por questões de segurança sobre o viaduto ferroviário de Durrães, ou Ponte Seca. Também o almoço seria servido pelo mesmo motivo no interior do comboio e duraria cerca de meia hora. O viaduto é obra do Engenheiro Cândido Celestino Xavier Cordeiro.

 


Fig. 11 – Esperando o comboio no apeadeiro da Silva (BP fotográfico)

 

 Além dos profissionais que se deslocavam a outras localidades para compras ou vendas de artigos relacionados com a sua profissão, também as famílias mais abastadas usavam o comboio para as suas deslocações, passeios e visitas a familiares. No apeadeiro da Silva uma família aguarda a chegada do comboio certamente para um passeio. Foto do dia 12 de Outubro de 1909, uma terça-feira, e enviada no dia 22 do mesmo mês para familiares na Praia da Granja.


Fig. 12 – Apeadeiro de S. Bento (Várzea).

 O atual apeadeiro de Midões, já encerrado a passageiros e entaipado, foi em tempos chamado de apeadeiro de S. Bento (Várzea), conforme se pode verificar na fotografia do fotógrafo amador Eurico Barros Freire.

A estação de caminho de ferro de Barcelos sofreu ao longo dos anos várias remodelações.

Em 1951, foi aprovado o projeto da Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses para a ampliação do edifício de passageiros, conforme publicação no diário do Governo nº 223, II série de 25 de Setembro de 1951 (3). No entanto as obras só se concluiriam, apressadamente e com esforço, nas vésperas das Festas das Cruzes de 1956, no dia 2 de Maio, para assim os visitantes poderem ser recebidos no “… mais moderno edifício de caminhos de ferro das estações situadas ao norte do rio Douro”. A Câmara de Barcelos cooperou “…no embelezamento da estação, chamando a si o arranjo do respetivo jardim e a colocação de painéis coloridos com as paisagens e costumes da cidade e da região minhota.” (4) No entanto a autorização oficial da reabertura para utilização do edifício só seria oficializada no diploma do Ministério Público de 3 de Julho de 1957. (5)

 

Fig. 13 – Estação de caminho de ferro de Barcelos, Maio de 1956


Fig. 14 – Projeto para a estação de caminho ferro de Barcelos

Os jardins que sempre embelezaram a estação de Barcelos foram alvo de vários prémios nacionais promovidos pela Companhia dos Caminhos de Ferro portugueses e pela Repartição de Turismo do Secretariado Nacional de Informação. Assim, no XI Concurso das Estações Floridas, realizado em 1952, foi premiada com uma menção honrosa (6). No XIX Concurso, realizado em 1961, recebeu o segundo prémio (7).

Com a ponte sobre o Cávado perto de atingir o seu limite de idade e respondendo às novas exigências do material circulante, em Novembro de 1967, a CP – Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses, abre concurso para a realização dos projetos de construção, montagem e ripagem dos novos tabuleiros e obras adicionais respeitantes ao conjunto das Pontes do Cávado e do Neiva e do viaduto de acesso à Ponte do Lima.

A Sorefame – Sociedade Reunidas de Fabricações Metálicas viu a sua proposta no valor de 10,303,919$50 escudos, para a Ponte do Cávado, ser aprovada.

O projeto inicial, que datava de 1968, foi revisto em 1976 apenas com um novo esquema de montagem. As oficinas da Sorefame procediam ao fabrico dos vários componentes e à medida que iam ficando concluídos, eram transportados para o estaleiro construído na estação de Barcelos, onde as equipas de montagem iam procedendo ao respetivo posicionamento e consequentes ligações por aparafusamento (Fig. 15 e 16). Os carregamentos iniciaram-se em Agosto de 1975 e em Novembro as oficinas da Sorefame deram por concluídos os trabalhos.

Às 04:00 do dia 14 de Maio de 1976, já com os trabalhos de montagem concluídos, incluindo as travessas de madeira na nova estrutura, procedeu-se à passagem do conjunto da linha 3, onde tinha sido montada, para a linha 2, em frente ao edifício da estação. O conjunto foi rebocado por duas locomotivas da série 1400, até ficar posicionado à entrada da antiga ponte, o que ocorreu às 07:30 do dia 15. O deslizamento de uma estrutura sobre a outra fez-se lentamente sem interrupções, com equipas de trabalho que se revezavam, até que às 09:00 do dia 17 a nova estrutura cobria completamente o vão, por sobre a antiga ponte. Foram retirados todos os acessórios necessários à deslocação da nova estrutura, ficando assente diretamente na antiga. Só no dia 20, a data prevista pela Sorefame para a abertura à circulação, teve início a fase final de corte progressivo de pequenas frações nas extremidades da antiga estrutura, à medida que se ia processando a lenta descida do conjunto, para não colidir com as cabeças dos pilares. A primeira circulação sobre a nova ponte ocorreu 106 horas após a data prevista: às 16:00 de um domingo, dia 24 de Maio de 1976. (8) 

               

     Figs. 15 e 16 – Estaleiro das obras na estação                                


 


 Fig. 17 – Montagem dos vãos na ponte                     Fig. 18 – Fase da substituição do tabuleiro na ponte

 

Fontes literárias:

(1)          - (https://redondelanexpress.blogspot.com/p/historia-cronologica-del-ferrocarril.html)

(2)          – Gazeta dos Caminhos de Ferro, nº 1363, de 1 Outubro 1944

(3)          – Gazeta dos Caminhos de Ferro, nº 1533, de 1 de Novembro de 1951

(4)          – Boletim da C. P. nº 325, de julho de 1956

(5)          – Gazeta dos Caminhos de Ferro, nº 1670, de 16 de Julho de 1957

(6)           - Gazeta dos Caminhos de Ferro, nº 1558, de 16 de Novembro de 1952

(7)          – Gazeta dos Caminhos de Ferro, nº 1763, de 1 de Junho de 1961

(8)          – “Pontes Ferroviárias do Alto Minho…”, coordenação de António Vasconcelos, Fundação Caixa Agrícola do Noroeste, 2015

 

 Fontes gráficas:

Fig. 1 – in Wikipédia, consulta a 28 de Março de 2020

Fig. 2 – Espólio do Museu Nacional Ferroviário

Fig. 3 – in “Diário Illustrado”, Nº 1679 de 1877

Fig. 4 – in “Diário de Santiago”, Nº 1590 de 29 de Outubro de 1877

Fig. 5 – Espólio da Biblioteca Nacional de Espanha

Fig. 6 – Espólio do autor

Fig. 7 – Imagem reproduzida. (autor?)

Fig. 8 – Imagem retirada da obra “Barcelos antigo no postal ilustrado”, Ed. CMB, 1994

Fig. 9 – Espólio do autor

Fig. 10 – in “Jornal de Barcelos” de 21 Novembro de 2001

Fig. 11 – Espólio do autor

Fig. 12 – Espólio do autor

Fig. 13 – in Boletim da C.P. Nº 325 de Julho de 1956

Fig. 14 – Espólio do autor

Fig. 15 – in “Pontes Ferroviárias do Alto Minho…”, coord. António Vasconcelos, Fund. Caixa Agrícola do Noroeste, 2015

Fig. 16 – in “Pontes Ferroviárias do Alto Minho…”, coord. António Vasconcelos, Fund. Caixa Agrícola do Noroeste, 2015

Fig. 17 – in “Pontes Ferroviárias do Alto Minho…”, coord. António Vasconcelos, Fund. Caixa Agrícola do Noroeste, 2015

Fig. 18 - in “Pontes Ferroviárias do Alto Minho…”, coord. António Vasconcelos, Fund. Caixa Agrícola do Noroeste, 2015

 

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