Um roteiro da indústria em Barcelos
Trabalho produzido para o livro "Turismo em Barcelos", publicado pelo Município de Barcelos, em dezembro de 2020
O atraso na industrialização do país é
um facto comumente aceite. Barcelos não foge à regra do país e é interessante
constatar os laivos de ruralidade que ainda hoje existem.
Não há, ou não consegui encontrar
estudos sobre a industrialização em Barcelos, excetuando alguns trabalhos da
autoria de Victor Pinho, ex-bibliotecário municipal, e de
um ou outro investigador barcelense que o acompanhou neste desiderato.
Estes trabalhos apontam para um
desenvolvimento industrial apenas no século XX, com um relevo atribuível a um
espanhol, D. José Domenech. Nas décadas seguintes desponta a indústria têxtil
com um papel maior atribuível a um barcelense de gema, João Duarte.
Mais de cem anos depois, Barcelos é um
grande centro têxtil de Portugal, com relevância no contexto internacional. A
cerâmica, onde se produz o famoso galo de Barcelos e o figurado que fez da
nossa cidade património criativo da Unesco, decresceu de importância, quanto ao
seu carácter industrial e remeteu-se mais para o artesanato. Mas é sem dúvida
de enorme relevância e objeto de estudo.
Dos bucólicos primeiros moinhos,
passando pelos vestígios das velhas construções fabris, até às modernas
indústrias, Barcelos tem muito para mostrar, naquilo que pode ser um percurso
turístico pela memória e pela mais avançada tecnologia.
É o que este trabalho tenta esboçar.
2.
Os primórdios da indústria
O caráter rural e pouco evoluído – não
são sinónimos – de Barcelos já estava patente nos desabafos do Abade António
Paes de Villas Boas, sob o pseudónimo de Pancrácio, por alturas da Exposição
Industrial do Porto de 1897. O abade escrevia no “Commercio de Barcellos”,
depois de ter visto ali as representações de Fafe, Guimarães, Braga e Vila Nova
de Famalicão: “o que mais me causou mágoa? Foi eu ver a minha terra representada
pela sua ausência!”. A citação é de Victor Pinho, bibliotecário municipal e
historiador.
Mais de cem anos depois, ainda hoje
existem resquícios desse carácter de ruralidade no Concelho e na cidade de
Barcelos que apenas agora, no início do século XXI, se estão a tornar menos
prevalentes.
As concertinas e os bailes das tardes de
domingo, em plena Avenida da Liberdade, o gosto entranhado pelo folclore sempre
presente em todas as romarias e festividades, são o reflexo mais vistoso desta
ruralidade, presente, mais claramente, nos mais velhos. Os mais novos já seguem
padrões mais universais não se distinguindo de um outro qualquer citadino.
“Barcelos não tem vida industrial; os
nossos capitalistas são de uma retracção que causa dó; nós o que podíamos
mandar, era uma colecção de processos do foro, com a sua iniciação – em nome de
Deus amém -, que é, infelizmente, do que aí se trata, em que aí se cuida. Fraca
indústria a da rabulice; pois aí está o que nós podemos enviar à exposição do
Palácio de Cristal. Que lástima! Estamos de modo que as vilas de Fafe e de
Famalicão nos estão dando lição severa”. Prossegue o abade, citado por Victor
Pinho.
Mas de lamúrias não se vive e Barcelos
lá foi trilhando, pelo caminho das pedras, o seu percurso industrial,
tornando-se no que é hoje: um dos concelhos com uma indústria têxtil das mais
fortes do país.
A cidade e o seu vasto Concelho
inculcaram no seu património arquitetónico, mas também cultural e das
mentalidades, e claramente na sua economia, este passado industrial que passou
tantas vezes pela simples mó do moleiro, pelo engenho de serração que
aproveitava a mesma água, ou pela singela roda do oleiro que tanto futuro nos
deixou.
Victor Pinho identifica como indústrias
no Concelho de Barcelos, “para além das indústrias de telha e de louça de
barro, uma pequena indústria que teve pouca duração, «A Barcelinense», da firma
«Leão & Dias», uma fábrica de ferragens a vapor que funcionou, primeiro em
Barcelinhos, na rua de Baixo (atual Rua de Miguel Ângelo) e depois junto da
Avenida 11 de Fevereiro (atual Avenida Alcaides de Faria) e «A Mimosa», uma
fábrica de moagem situada na freguesia de Tamel S. Veríssimo, pertencente aos
irmãos Manuel e Joaquim Lopes Monteiro, que funcionavam pelo menos desde 1903”.
Numa “Relação nominal das pessoas
industriais e comerciais, segundo uns dados da Camara Municipal em 1 de
Fevereiro de 1929”, em Barcelos, já laboravam a empresa de “João Duarte &
Ca., gravatas e algodão”, a “Fábrica de Fiação, Lda.” e as fábricas de serração
“M. A. Coutinho & Filhos” e “Empreza Industrial de Barcelos”.
Em Arcozelo, estavam localizadas a
“Fábrica de Serração” de Juan B. Domenech e as fábricas de moagem “Moinhos
Reunidos, Lda.” e “Vinagre e Borges”. Recordo-me bem e Victor Pinho referencia-a
no seu trabalho para o “Jornal de Barcelos”, a Fábrica de Cerâmica de Barcelos,
fundada em 1920, junto da estação do caminho de ferro, e que laborou até aos
inícios dos anos de 1990. Em Tamel S. Veríssimo, tinha atividade a “Sociedade
Industrial Aliança”, fábrica de moagem. Os moinhos e engenhos de serração
encontravam-se um pouco por várias freguesias do Concelho, assim como uma fábrica
de destilação a laborar em Vila Seca e outras duas na Várzea.
No “Livro de Registo de Licenças de
Comercio e Industria”, também da Câmara Municipal, mas de 1933/34, aparecem
referências, em Barcelos, a uma fábrica de serração de Francisco Torres; à celebérrima
Companhia Editora do Minho - ligada à edição da História de Portugal de Damião
Peres - uma sociedade por quotas cujo principal sócio foi Américo Lamares e que
manteve atividade até aos nossos dias; à “Portucalense Editora, Lda.”; empresa
literária e tipografia; à tipografia de Rogério Calás Candido Carvalho; e à
tipografia, papelaria e encadernação da viúva de Fernando Marinho. Ainda em
Barcelos, existiam já registados neste livro de licenças a “Fábrica de Cortumes
de Barcelos, Lda.”; Cupertino José da Silva, como fabricante de malhas de
algodão, tal como a firma Costa & Vasconcelos, de tecidos de lã e algodão.
Em Barcelinhos, existia uma fábrica de
papel, antiga fábrica de serração, fundada por Francisco da Costa Carvalho, a
que sucedeu o filho Joaquim Mariz de Carvalho, e que laborou até à década de
1990 na propriedade da mesma família. Produzia papel a partir de papel, o que
nos nossos dias se chamaria papel reciclado, que se usava para os mais diversos
fins, sobretudo nos embrulhos, ou os ainda por muitos recordados cartuchos,
antes da vulgarização dos sacos plásticos e do plástico para embalagens. Depois
de uma mudança de instalações para o outro lado da estrada nacional 205, que
liga Barcelos à Póvoa de Varzim, fechou definitivamente cerca de 2010 com a
designação de Fábrica de Papel de Medros, Lda.
Por escritura pública de 22 de setembro
de 1945, publicada no jornal “O Barcelense” em 3 de novembro, desse ano -
também em Barcelinhos - era fundada a fábrica de brinquedos “Fábrica NITA,
Limitada”, por António Matias, comerciante, de Barcelos; António da Silva
Carvalho, industrial, de Barcelinhos; António Ferreira Coelho, comerciante, do
Porto; e Mateus Candido Miranda Lopes dos Santos, industrial, de Barcelos. O
objeto da sociedade era o “fabrico e confecção de brinquedos, bonecas, artigos
em madeira e fundição de metais, podendo, no entanto, dedicar-se a qualquer
outro ramo de indústria ou comercio em que os sócios acordem entre si”.
Estes livros registam, a par da
atividade industrial, muita atividade comercial de relevância tanto económica como
para a história da cidade. Caso dos Armazéns S. Tiago, do hotel de Emílio
Vinagre, das farmácias de Aires Duarte e Antero de Faria, da atividade de
Augusto Eurico Soucasaux (fotografia, discos e diversos artigos), da Cooperativa
Agrícola de Laticínios de Ribeira do Neiva (em Aldreu), da sapataria e
albardeiro de Francisco de Sá, familiar direto de Inácio Sá, fundador da
Sapataria Gonçalves, cuja fundação remonta a 1 de junho de 1930; de Domingos
Ferreira de Azevedo, fabricante de chapéus; de Domingos e Eduardo Ferreira do
Vale, comerciantes de cal e telha; ou a de José Fontainhas & Filhos, Lda.
comerciantes de cal e gesso em Barcelinhos. Também o Banco de Barcelos aparece referenciado
nestes livros.
O que não constava na relação camarária de
1929 era qualquer referência à indústria de olaria… No entanto, cinco anos
volvidos, em 1934, no referido “Livro de Registo de Licenças de Comercio e
Industria”, aparecem abundantes exemplos dessa atividade “industrial” pelas
freguesias de Galegos Sta. Maria e S. Martinho, Areias de S. Vicente, Ucha,
Lama, Oliveira e Pousa, pagando as respetivas licenças à Câmara sobre o valor
de contribuição industrial, de grupo C, com que estavam taxados.
Comecemos então pela indústria de
cerâmica que tão bem caracteriza Barcelos e o seu concelho, para finalmente nos
determos na têxtil, indústria da maior relevância a partir da segunda metade do
século XX.
3.
Do barro à indústria
Na sua génese, a produção de louça, do
figurado e do galo de Barcelos, era artesanal, de dimensão familiar. Os
louceiros, como eram conhecidos os artesãos naquela época, viviam sobretudo no
monte de Santo Amaro e no lugar de Souto de Oleiros em Galegos (Santa Maria e
S. Martinho) e eram muito mal vistos pelos lavradores, “que se sentiam
injuriados se uma sua filha namorasse um forriqueiro (designação que abarcava o
oleiro e o barrista). Os louceiros, quer patrões, quer operários, eram
considerados de humilde condição e indignos de uma filha de lavrador”[1].
Rocha Peixoto, citado por João Macedo
Correia, refere que a atividade artesanal das louças de Barcelos tem muitos
séculos de existência. Já “em 1890, o centro cerâmico de Barcelos, com as suas
101 oficinas era o mais importante do país, na categoria de cerâmica popular. E
já nessa data fazia uso dos moldes de gesso, ainda que restringidos apenas aos
enfeites”.[2]
O autor notou a pobreza dos oleiros,
“pobreza material e pobreza de técnica. A indústria, instalada há muitos
séculos, continuava a viver pobre, embora, já grandes interesses se movessem em
volta dela e algumas fortunas já então se tinham realizado à sua custa,
enquanto o fabricante continuava apático, rotineiro e pobre. Pobre de tudo”.
Existiu uma confusão inicial com a
designação “louças de Prado”, porque estas freguesias (Galegos Santa Maria e S.
Martinho, Areias de S. Vicente, Pousa, Lama, Oliveira e Ucha) faziam, com
exceção de Pousa, parte do extinto concelho de Prado. Foi pelo Decreto de 24 de
outubro de 1855, que elas passaram a pertencer ao Concelho de Barcelos".[3]
Aquando da promoção turística e
respetivo sucesso comercial do Galo de Barcelos, nas décadas de 1950/60, despoletados
pela política de propaganda do Estado Novo, a cargo de António Ferro, estes
louceiros “desceram” do monte e construíram as suas fábricas, de dimensão
industrial, junto da estrada nacional Barcelos-Prado.
De entre estes, destacam-se os
Severinos, o Bogas, a Magrou, a Infante D. Henrique, a Galante, as louças
Falcão, de Galegos Santa Maria, e de Galegos S. Martinho, outros casos, como os
Durães, os Pintos, ou os Campos. E esta atividade industrial continua, pela
estrada fora, por outras freguesias do Concelho, até Prado. De realçar que esta
estrada não atravessa Galegos Santa Maria, mas estes industriais sempre se
sentiram “de Galegos”, e foram os grandes patrocinadores do Santa Maria Futebol
Clube, que se tornou graças a eles, o 2º clube do concelho de Barcelos.
Curiosa é a regulamentação da atividade
industrial feita com pormenor e minúcia, já nos anos 30, 40 e 50 do século XX -
fosse cumprida ou não - por acordos coletivos de trabalho estabelecidos entre
os sindicatos dos operários do sector e os grémios dos industriais de cerâmica,
em flagrante contraste com o que se vive na atualidade e a luta constante pelo
fim da contratação, a precarização e a desregulamentação.
A Cerâmica Macedo, de João Macedo
Correia, merece um destaque especial, pelo importante contributo do seu
proprietário no estudo, historial e desenvolvimento da atividade. O pai,
Joaquim Macedo Correia, fundou a fábrica no lugar dos Eidos, da freguesia de
Areias de S. Vicente. Joaquim e o seu trabalho foram premiados com a medalha de
prata, logo em 1902, na importante Exposição Cerâmica promovida pelo Instituto
de Estudos e Conferências, no Palácio de Cristal do Porto.
O filho de João, Adélio Macedo Correia,
acabou de publicar um importante livro, com as memórias da família, datado de
2017, numa coedição do Município de Barcelos e do Museu de Olaria, no qual data
a fundação da fábrica de seu avô, do ano de 1893.
João Macedo Correia assume um papel
importante e decisivo na criação de novos modelos e no desenvolvimento da
indústria em Barcelos no seguimento do trabalho desenvolvido nas Caldas da
Rainha, onde esteve a estudar durante seis meses, e cujos fabricantes se
deslocavam a Barcelos para adquirir produtos, trazendo as suas ideias e
influência. João Macedo Correia abandona a olaria, em crise profunda por todo o
país, reconvertendo a fábrica de seu pai numa cerâmica artística: a Cerâmica
Macedo.[4]
Tira um curso de desenho por
correspondência, exibindo ao longo dos tempos excelentes desempenhos. Dedica-se
à fotografia para poder retratar nos catálogos os seus modelos. “Estuda a
tecnologia cerâmica com afinco” e até um curso de “Escrituração Comercial e
Industrial, numa escola particular, para poder passar a controlar, gerir e
assinar as contas da fábrica”.[5]
No entanto, todo o seu empenho,
criatividade e inovação não é compensado financeiramente.
A mesma política que lança o galo de
Barcelos como grande símbolo nacional, não reconhece o mérito a João Macedo
Correia, preterindo-o em favor das louças tradicionais, dos modelos mais
antigos, do figurado.
A Cerâmica Macedo acaba por encerrar
depois de João ter sido desapossado da sua fábrica e se ter instalado em
Barcelos, abandonando a freguesia onde tinha nascido. Por essa altura assume um
novo desafio na direção da Fábrica de Loiça de Viana mas que dura pouco tempo
(1945-47). Termina a sua vida em Barcelos em 1987, dedicando-se, até aos
últimos tempos, à arte a que consagrou toda a sua vida.
Sobretudo nas décadas de 40, 50 e 60, do
século passado, finalmente os antigos louceiros começam a ganhar dinheiro,
aumentando a sua produção, industrializando-a e modernizando-a inevitavelmente,
na sequência da notoriedade que lhe é conferida pela promoção do galo de
Barcelos.
Rosa Ramalho, pela ação de António
Quadros, filho de António Ferro e, depois dela, muitos criadores do figurado,
ganham merecida celebridade.
Hoje, os artesãos vão ganhando a sua
vida mais ou menos desafogadamente, dando continuidade e inovando nas suas
criações, enquanto a indústria, mais propriamente, vive maus momentos fruto do dumping praticado noutros países.
Os donos das indústrias viveram décadas
de prosperidade, proporcionando também algum desse desafogo aos seus
trabalhadores, nunca faltando trabalho e o pagamento de horas extraordinárias.
Tiveram uma acentuada queda a seguir à revolução de 1974 e voltaram a viver
bons tempos na década de 80.
Com a aproximar do final do século, a
abertura dos mercados e a entrada na moeda única, as indústrias foram
fortemente afetadas e instalou-se uma nova crise. Algumas subsistem até hoje,
adaptando-se à concorrência desleal, outras estão a pontos de cessar a
atividade, recorrendo os seus proprietários a outros produtos e estratagemas
para viverem. A forte fiscalização que lhes é imposta, a nível ambiental ou de condições
de trabalho, impede a vida normal destas indústrias tão tradicionais e
importantes.
Sobrevivem os artesãos que têm talento
artístico, e novamente em pequenos ateliers
de dimensão artesanal e familiar, correndo feiras e exposições, exibindo o seu
trabalho ancestral com a ajuda do pelouro do Turismo da Câmara Municipal de
Barcelos e de outras entidades e iniciativas que alimentam o turismo e
perpetuam a sua atividade, arte e criatividade.
Em 1958, Agostinho Coelho Gonçalves
fundou “A Magrou”. Quem o conhece diz que era um dos mais exímios modelistas e
criadores. O Mestre dos Mestres na arte de fabricar figurado e galos de
Barcelos. Hoje com 85 anos, quem trabalha no que resta da sua fábrica são os
filhos Paulo, Nuno, Carlos e Patrícia Gonçalves.
A Magrou era uma espécie de fábrica
escola empregando mais de 80 pessoas, com 5 ou 6 famílias a trabalhar por fora
e para a empresa. Nunca despediram um trabalhador, pagaram-lhes sempre os
salários mas, face à falta de trabalho, as pessoas iam-nos deixando
voluntariamente procurando outras formas de ganhar a vida, diz Paulo Gonçalves.
Embora totalmente equipada, a Magrou já
nem sequer produz cerâmica. Encontra no mercado, peças mais baratas do que a
matéria-prima de que são feitas. Labora atualmente com vidro e muito amargor…
Chegaram a produzir dois contentores por semana para exportar para os Estados
Unidos. Paulo Gonçalves afirma: “o meu pai tem sido um crente, eu estou
completamente descrente na atividade da cerâmica”.
Francisco Ferreira Bogas terá sido o
primeiro a descer para a estrada (EN 205), onde nada havia senão bouças.
Inicialmente com uma taberna, logo depois com a produção e venda de cerâmica.
Quem mais se dedicava a isso era a mulher. Corriam os anos de 1954/55.
Francisco Bogas tinha, por exemplo, o
mercado de Coimbra e quando algum concorrente tentava entrar nessa praça, o ceramista
arrasava-o com preços abaixo do normal, mantendo o exclusivo do fornecimento.
Fazia também o mercado de Fátima.
Os ceramistas locais, com o crescimento
dos negócios, começaram a disputar entre si os modelistas pagando-lhes fortunas:
3 a 4 vezes o que um professor ganhava nessa época, recorda David Bogas, filho
único de Francisco, que acabou por optar pelo ensino.
Júlio Pinto era o modelista, criador,
copiador da cerâmica de Francisco Bogas, que também trouxe de Coimbra, da
Estaco, um trabalhador da arte, e toda a sua família, que pintava uns azulejos
à mão, com uma procura muito grande. Construiu-lhe a casa onde ficaram a
habitar e a família se acabou por fixar, até hoje.
David Bogas fundou a sua própria fábrica
– Cerâmica Bogas - e ainda foi sócio de outra. Fazia apenas três feiras de
artesanato, entre as quais a de Barcelos. Conta que numa dessas feiras chegou,
num dia, a faturar dinheiro que lhe daria, na altura, para comprar 3 Fiats 127,
um dos carros mais populares da época. Acabou por distribuir quase todos os
dividendos pelos seus trabalhadores…
A espiral de encerramentos e falências
acabou por varrer estas indústrias de que no entanto, continuam algumas a
resistir e outras, poucas, a tirar bom proveito da atividade.
4. “A
rua das fábricas”
Em 1966, quando a minha família se mudou,
do centro de Barcelos, para uma transversal que liga a Avenida Alcaides de
Faria com a Rua Elias Garcia e o atual Campo 25 de Abril, o então Campo 28 de
Maio (ou D. Carlos como então ainda lhe chamávamos), passei a conviver com as
indústrias que por ali proliferavam e davam um movimento intenso e muito emprego
à cidade e a todo o Concelho, e com aquela, para mim, estranhíssima casa, a que
chamávamos a casa da Dona Maria Badia, onde moravam várias famílias de pequenos
amigos meus. Foi com uma enorme tristeza e sentimento de perda que a vi ser
demolida.
Por detrás daquela construção de estilo “Arte
Nova” escondia-se grande parte da história da indústria barcelense. A partir
dessa data, o ambiente industrial passou a fazer parte do meu quotidiano.
Para baixo da casa onde vivi parte da
infância e juventude, em direção à estação do caminho de ferro, localizavam-se
várias fábricas de serração. Um pouco mais para cima, era o que nós chamávamos
a “rua das fábricas”, a rua Cândido da Cunha, onde se situavam a Barcelense, a
Fiação e a Tebe. A duzentos metros de distância, os jogadores do Gil Vicente,
em dias de jogo, chutavam a bola ora para o cemitério municipal, ora para a
Tor. Estas eram as principais fábricas têxteis de Barcelos.
Para além destas, fora deste perímetro, pontificavam
a Guial, perto do rio Cávado e do Bairro da Misericórdia e a Sonix, em Vila
Frescaínha de S. Martinho.
Várias vezes ao dia, ouvia o ronco grave
ou mais agudo das fábricas assinalando os períodos de trabalho e depois via as
bicicletas e as motorizadas dos trabalhadores da Fábrica Vouga - outra das
unidades industriais mais marcantes de Barcelos - localizada mesmo junto à
estação do caminho de ferro, subirem a Rua Elias Garcia de regresso às suas
casas.
Como é patente e já anotou Victor Pinho,
a estação do caminho de ferro aglutinou o desenvolvimento industrial de
Barcelos, pese uma das imagens de marca destas históricas fábricas têxteis, terem
sido os seus camiões emblemáticos que circulavam ostentando os dísticos de cada
uma.
5.
D. José Domenech, um pioneiro
D. José Domenech, um cidadão espanhol
natural de Denia, província de Alicante, em 1868 e falecido em Lisboa em 1928,
com apenas 60 anos, partiu para Tuy, perto da fronteira norte de Portugal, em
1900 para dirigir a fábrica de serração “J. Salort & Companhia”. Quatro
anos depois fixou-se em Barcelos.
Tinha sido ele o habitante da casa do
Campo 25 de Abril, juntamente com a esposa D. Antónia Badia Puig. A referida D.
Maria Badia era uma sobrinha com quem ele vivia.
O seu falecimento em Lisboa deveu-se ao
tratamento de problemas de saúde que o vitimaram. De resto, em 1912,
naturalizou-se português e era já considerado um barcelense dedicado e ilustre.
Na nossa cidade construiu e pôs a
funcionar, em pouco tempo, uma fábrica de serração, com o mesmo nome da fábrica
espanhola, junto à estação do caminho de ferro, da qual era sócio gerente.
Depois construiu fábricas do mesmo tipo, todas elas filiais da fábrica de Tuy,
em Marrancos, Ponte do Bico, Laúndos, Nine, Barroselas e S. Bento da Várzea.[6]
A escolha de Barcelos, por D. José
Domenech, deve ter estado ligada à proximidade de Tuy; à existência de boas
florestas na nossa região e duplamente à passagem do caminho de ferro.
A existência do comboio foi determinante
para o desenvolvimento industrial barcelense, reforce-se. Para além disso, Victor
Pinho e Fernando Alves citam, na sua obra, o Dr. Joaquim Gualberto Sá Carneiro,
no jornal “O Barcelense”, de 6/11/1943: “De certo passou aui, no comboio:
gostou da região; era águia, viu logo que era bem fácil progredir Barcelos,
onde, por assim dizer, não havia indústria e a lavoura era rudimentar. De certo
também encontrou no comboio alguém, talvez o Joaquim Vinagre, com quem
conversou e a quem se afeiçoou e o amigo casual informou-o da região.”
A fábrica começou a construir-se no 1º
semestre de 1905. Como qualquer projeto, sofreu alguns impasses porque o
proprietário do terreno queria voltar atrás com o negócio e José Domenech
esteve na iminência de desistir da sua instalação. Passou por várias
modificações, tendo em vista aumentar a sua capacidade de laboração, face ao
aumento crescente de encomendas e só começou a laborar em pleno dois anos
depois.[7]
Depois da morte de D. José Domenech, a
empresa passou a denominar-se “Juan B. Domenech, Limitada”, tendo como sócios
D. Juan Bautista Domenech, irmão de D. José, seu sobrinho, D. Salvador Domenech
e D. Vicente Mahiques Senti, também ele sepultado em Barcelos.
Passando por períodos menos bons e
algumas disputas entre os sócios, a fábrica terminou a sua laboração durante os
anos 60 do século passado.
Junto à fábrica de serração, construiu
dois fornos para produção de cal (calcinação da pedra calcárea), fazendo com
que o seu preço baixasse 40 a 45% relativamente à produzida na localidade
vizinha de Fão. Esteve também, ligado à fundação da “Saboaria Barcelense,
Lda.”, fundada em 1923 e que funcionou no lugar das Pontes, em Arcozelo,
próxima do cemitério da cidade.[8]
Para além da sua atividade como
industrial, D. José Domenech esteve ligado à fundação da Cooperativa
Barcelense, em 1921, uma cooperativa de consumo, produção e venda, de cuja
Direção fez parte. E não se ficou por aqui.
“Embora não sendo homem de grande
instrução, tinha uma inteligência viva e perspicaz, movida por uma grande
capacidade de trabalho e de doação ao próximo. Os problemas económicos e
financeiros também o preocupavam e, por isso, chegou a escrever, em 1918, um
opúsculo intitulado “Problemas Económicos: o fomento da riqueza nacional e a
baixa dos câmbios. Soluções tendentes a resolver estes problemas”, escrevem
Victor Pinho e Fernando Alves.[9]
José Domenech foi uma figura marcante no
desenvolvimento industrial e económico de Barcelos.
Se da serração Domenech guardo pouca memória,
mais de ouvir falar, passei a ser um “cliente” das serrações que se lhe
seguiram e por aqueles lados estavam instaladas.
A Serração Gonçalves & Filhos, Lda.,
a serração do Quintela (Fábrica Costas & Quintela) e a dos Pereira &
Irmãos (mais precisamente carpintaria), a que me deslocava em criança para
adquirir madeira com que construía pombais e outras brincadeiras da infância.
Antes dessas, existiram a “Serração
Coutinho & Ca.” ou União Industrial Barcelense, Lda., constituída por
escritura de 23 de julho de 1923, com o capital de duzentos e quarenta mil
escudos, para explorarem o comércio de relojoaria, compra e venda de madeiras,
serração, carpintaria, marcenaria, etc. A serração Gomes & Ca., que
funcionou nas traseiras da fábrica Tor, pertencia a uma família portuense e
tinha a sua sede naquela cidade, na Avenida dos Aliados, tendo encerrado nos
finais da década de 60.[10]
A Serração Gonçalves & Filhos, Lda.
situava-se entre a Avenida Alcaides de Faria e a Rua Elias Garcia e foi
fundada, na década de 1940, por José Araújo Gonçalves. Após a sua morte, ficou
pertença dos seus filhos Maria, Avelino, Rosa, Luís, Manuel e Arminda (gémeos),
Américo, Deolinda. João, António e Delfim (gémeos) Mano Gonçalves que
continuaram com a laboração da fábrica. Cerca de 1974, a sociedade ficou nas
mãos de cinco dos irmãos: Avelino, Luís, Manuel, João e António Mano Gonçalves,
tendo encerrado em 1985.
A Serração Quintela, como eu a conheci,
foi fundada em 1957, numa sociedade por quotas entre Emídio Ferraz Meneses
Quintela, Manuel Dias da Costa e Teófilo Ferreira da Costa, ficando com a
designação comercial “Costas & Quintela, Lda.”, laborou várias décadas
tendo sido vendida cerca de 1974, por Jorge Quintela, filho de Emídio, aos seus
antigos sócios e acabou por encerrar nos anos 80.
A carpintaria dos Pereiras funcionou
durante várias décadas e também como apoio à empresa de construção civil que os
seus proprietários mantiveram em funcionamento, durante muitos anos.
6.
A Fábrica Vouga
A Fábrica Vouga é outra das minhas
fortes memórias daquela época e uma das mais importantes fábricas do século XX
barcelense. Com um belíssimo edifício virado para a linha do caminho de ferro,
que vi com pena ser demolido e de que ainda resistem, como uma última memória,
os silos, que é urgente preservar, recuperando, dando-lhes uma utilidade.
Começou a funcionar em 1920 como Fábrica
de Moagem do Cávado, propriedade da sociedade “Vinagre & Borges, Lda.”.
Joaquim Lopes Vinagre, barcelense,
nascido em 1862 no Campo dos Touros, atual Campo 5 de outubro e falecido em
1937[11]. O outro sócio seria um
descendente do empresário Manuel Vieira Borges, “primeiro concessionário da
Água Borges que abasteceu Barcelos até meados do século XX”,
O arquiteto António Borges Vinagre,
filho de Delfim Vinagre e de Lúcia Borges, fundou em Barcelos, nos inícios dos
anos 70, na rua a que deram o seu nome e em que vivi, a “Albergaria Condes de
Barcelos”, cujo edifício ainda hoje é um marco da cidade e foi o melhor hotel
da cidade até aos nossos dias. Há ainda uma referência a J. B. Ferreira Dias,
como sendo um terceiro sócio desta fábrica.
A partir de 1931, a gerência é entregue
a Aníbal Augusto Soares, um empresário moageiro natural de Almendra, Vila Nova
de Foz Côa. Em 1939, a fábrica ficou a pertencer à “Sociedade Industrial do
Vouga Limitada”. As sociedades dos irmãos Soares possuíam fábricas de azeite e cereais,
em Almendra e fábrica de moagem de cereais em Pessegueiro do Vouga, entre
outras.
A partir de junho de 1956, a Fábrica de
Moagens do Cávado passa a designar-se como “Fábrica Vouga”, uma fábrica de
moagem de trigo, centeio e milho e silos, que produzia farinhas de alta
qualidade e uma fábrica de alimentos compostos para animais, a
“Vouga-Protector”, cujas instalações, segundo o boletim “Vouga”, ficaram
prontas no início da década de 50.
O gerente, Aníbal Augusto Soares, foi
coadjuvado pelos irmãos, filho, sobrinhos e um grupo de empregados onde
pontificava Custódio Martins e seus filhos, Domingos e Carlos Pinho, estes
últimos meus vizinhos, que habitavam uma bonita vivenda na Avenida Alcaides de
Faria. Ainda recordo o Dodge azul, um enorme carro americano, que a família
possuía, e as manhãs de domingo à espera das pombas que chegavam dos concursos
de columbofilia em que os irmãos Pinho participavam, depois íamos todos ao Campo
Adelino Ribeiro Novo ver o Gil Vicente F. C. jogar.
Custódio Martins era o avô paterno de
Victor Pinho, que traça na primeira pessoa a história desta fábrica. O irmão de
Custódio Martins, Domingos, era o pai de D. Manuel Martins, conhecido Bispo
emérito de Setúbal, falecido em 2017, que ficou também conhecido por “bispo
vermelho” devido à sua defesa dos trabalhadores em épocas de crise económica e
social do nosso país.
7. O despontar da têxtil
7. 1.
João Duarte, Barcelense por nome próprio
Barcelos é, por excelência, terra da
indústria têxtil e isso deve-o sobretudo ao pioneiro João Duarte, com direito a
estátua e atribuição do nome a uma das mais importantes avenidas da cidade.
“Nascido a 19 de Março de 1888, João
Duarte frequentou a escola do professor Manuel José Pereira Nunes, em Barcelos,
e aos 13 anos foi para o Porto trabalhar numa casa comercial pertencente ao seu
tio Domingos Duarte de quem acabou por se tornar sócio.”[12]
“Enquanto trabalhou frequentou cursos
noturnos para adquirir conhecimentos e se valorizar.
Associado a dois barcelenses, estudantes
no Porto, tentou a primeira experiência industrial, formando uma sociedade de
fabrico de perfumarias que pouco durou.
Tinha 25 anos quando realizou a
aspiração da sua vida: Com a ajuda de um capitalista do Porto, Miguel Teixeira,
fundaram ambos uma sociedade comercial de artigos de palheta e flores
artificiais, na rua de Santa Catarina. O negócio prosperou e passou para a rua
Formosa, para um prédio de três andares, onde montaram um grande armazém dos
mesmos produtos a que juntaram os tecidos de algodão.
Já eram colaboradores desta firma os
barcelenses Jaime e Décio Nunes, Mário Soucasaux, Nunes Hall e outros, alguns
deles mais tarde seus sócios na Fábrica Barcelense.”[13]
João Duarte casaria em 3 de setembro de
1916 com D. Maria da Glória Cunha Vieira, um casamento que durou 50 anos.
Segundo a obra citada, o sonho de João
Duarte era mesmo a indústria. Assim, por esses anos “adquiriu uma pequena
fábrica, em exclusiva propriedade sua, na rua Latino Coelho, ainda no Porto,
que logo a seguir passou para o quintal espaçoso de uma casa que alugou na rua
do Almada”.
Depois da morte do seu patrono, Miguel
Teixeira, João Duarte abandonou a sociedade comercial, que com ele detinha,
para se dedicar em exclusivo à atividade industrial.
Ainda tentou adquirir um pinhal junto da
estrada da Circunvalação mas acabou por instalar a sua fábrica nos baixos da
casa da família Vieira, no Campo de S. José.
Em 1921, construía a Fábrica Barcelense
de rendas e passamanarias, em terreno citadino adquirido para o efeito. O capital
social inicial era maioritariamente de João Duarte a que se juntaram, sócios,
de Barcelos e do Porto, com “cotas mínimas”. (sócios: Amadeu Duarte de Azevedo,
António Guilherme Nunes Hall, Eugénio Roriz de Azevedo e Jorge Cardielos) Augusto
Soucasaux.
Para expandir as suas instalações
industriais, adquirir máquinas e dedicar-se a novos produtos, João Duarte
tentou um empréstimo junto do Banco de Barcelos, o que lhe foi recusado por
falta de garantias. Para contornar a impossibilidade, hipotecou a fábrica ao Banco
e com o dinheiro conseguido, introduziu o fabrico de rendas e peúgas. Acabou
por ser convidado para os corpos sociais do Banco e participou, mais tarde, na
sua liquidação.
João Duarte foi igualmente um dos
fundadores, da Fábrica de Fiação e Tecidos de Barcelos, em 1923, que construiu
no seguimento da Fábrica Barcelense, na “rua das fábricas”, rua Cândido da
Cunha.
É referido como fundador da Fábrica de
S. Brás, na rua do mesmo nome, na cidade do Porto. Em 1933, fundou a Fábrica do
Amial, também no Porto, só encerrada em 2017.
Em 1945, fundou em Barcelos, com Mário
Campos Henriques, o médico Francisco Torres, Nunes Hall, Eugénio Pinheiro e
outros pequenos sócios, a “Tebe, Empresa Têxtil de Barcelos, Lda”.
Em 1952, nos arredores do Porto, na rua
Santos Dias, fundou a Fil, Fiação do Leça.
A Barcelense, primeira de todas, foi no
seu início uma fábrica de passamanarias, depois de rendas e peúgas, a que se
seguiu a fiação de lã. Em 1960, iniciou-se o fabrico de malhas e confeções, a
que se juntava a tinturaria e a dobagem. Chegou a empregar 670 trabalhadores.
Passou por períodos complicados, greves
de trabalhadores, cargas policiais e até o “sequestro” do arquiteto, genro de João Duarte que se lhe seguiu na gestão da fábrica.
No início do Verão de 1997, a
Barcelense, depois de um período conturbado, vendeu as suas emblemáticas
instalações e mudou-se para a zona industrial de S. Veríssimo, onde ainda
labora. Em 2004, fechou a secção de confeção e agora trabalha apenas, embora
com grande especialização, em peúgas. Emprega pouco mais de 40 trabalhadores.
Objeto de uma série de mitos, amores e
ódios, João Duarte, quem o conheceu, afirma que era uma pessoa de poucas falas,
que infundia um respeito extremo. As operárias que casassem eram despedidas embora
com direito a indemnização de um mês por cada ano de trabalho.
Secção de rendas da Fábrica Barcelense, fotografia extraída do livro "João Duarte, um homem, uma obra"
Em dezembro de 1977, com as iniciais de
A. A., no jornal Barcelos Popular era publicado um extenso e violento poema
sobre João Duarte: “Ao fim daquela avenida/está um mamute plantado/tem uns bons
metros de altura/esse monstro avantajado/chama-nos logo a atenção/pelo mal
representado./Mas felizmente que agora/ali está petrificado/está sobre um
pedestal/em granito trabalhado. (…) E assim passam à história/se projectam no
futuro/os mamutes tão vorazes/ que nos dão viver tão duro…”
A estátua de João Duarte, no Largo dos
Capuchinhos, foi mais do que uma vez, alvo de pichagens com tinta vermelha e
outras manifestações de desagrado, antes e depois do 25 de abril, por parte de
militantes de partidos de esquerda, anticapitalistas.
Em 1925, fundou uma cantina que fornecia
ao meio-dia uma refeição a todo o pessoal. Anos volvidos, terminou este
benefício, admite o autor da obra.
Em 1934, inaugurou-se um lactário-creche
com 80 crianças. Essas crianças, atingindo os 5 anos de idade, passavam para a
creche que funciona no Recolhimento do Menino Deus.
Em 1939, começou João Duarte a
concretizar os seus planos de construção de habitações para os seus operários
edificando umas casas na Avenida Sidónio Pais e outras junto à junto à estação
do caminho de ferro, em 1941.
Em 1965, a 19 de Junho, foram inaugurados
solenemente pelo Ministro das Corporações e Previdência Social dois blocos com
24 habitações, numa nova avenida com o nome de João Duarte. O bairro ficou
batizado com o nome do industrial.
Morreu em 18 de Março de 1966, no Porto,
a um dia de completar 79 anos de idade. Foi sepultado em Barcelos, onde lhe foi
erigida uma estátua, no Largo dos Capuchinhos, defronte da fábrica que primeiro
fundou.
João Duarte seria responsável pela
fundação de mais duas fábricas no correr da Barcelense, ocupando toda a rua Cândido
da Cunha:
Em 2 de fevereiro de 1922, com um
capital social de 800 contos, nasceria a Fábrica de Fiação e Tecidos de
Barcelos, Lda., de que foram sócios fundadores, para além de João Duarte,
Amadeu Duarte de Azevedo, Nunes Hall, Eugénio Roriz e Jorge Cardielos.
Em 1945, nasceria, na mesma rua, a Tebe
– Empresa Têxtil de Barcelos, Lda., fundada por João Duarte, Mário Campos
Henriques, o médico Francisco Torres, Nunes Hall, Eugénio Pinheiro e outros
pequenos sócios.
7. 2.
A “Fiação”
Na “Fiação”, como todos lhes chamávamos,
a sociedade proprietária rapidamente teve uma recomposição devido a uma crise
no setor e a dificuldades de relacionamento, sabendo-se que um dos novos sócios
foi Francisco Filipe dos Santos Caravana, então Presidente da Câmara Municipal
de Barcelos.[14]
Tempos depois, este conjunto de sócios,
liderado por Francisco Caravana, cedeu as suas posições a um novo grupo de
investidores originários da cidade do Porto. A administração é entregue a Artur
Ferreira da Costa.
Em 1958, o administrador compra as
partes dos sócios restantes transmitindo-as em favor de seu filho Artur Taveira
da Costa e de seu genro Emílio Gilsanz Gonçalves Amaro.
No final da década de 80, a sociedade
passava a ser constituída por uma só família, a de Artur Taveira da Costa. Esta
família, sendo originária da cidade do Porto, teve como gerente em Barcelos,
Décio Nunes, que acompanhou Artur Ferreira da Costa desde que este assume a
gestão da empresa e se manteve com o cargo até à sua aposentação ocorrida nos
finais da década de 70.
A Fiação de Barcelos iniciou a sua
laboração com 1200 fusos de fiação.
Nos anos trinta é aumentada a produção,
com a introdução de mais fusos de fiação e acrescentando-lhe duas novas secções
- torcedura e tinturaria - que lhe permitiram produzir para além de maior
variedade de fios, maior valor acrescentado, e consequentemente, a abertura de
novos mercados.
Nos finais dos anos 50, a Fiação de
Barcelos conta já com perto de 5900 fusos de fiação.
Com a entrada de novos associados a
administração pensa em novos voos. A aquisição de novas máquinas de torcedura,
permite a transformação de fios para a indústria de redes de pesca e cordoaria.
O aparecimento de fibras artificiais, como o nylon e o polyester, é aproveitado
para dotar a fábrica com máquinas que possibilitam a sua transformação em fios
então solicitados pelas indústrias referidas.
No início da década de 60, a empresa,
confinada ao espaço físico que ocupa, entalada entre a Barcelense e a Tebe,
procura expandir a sua produção. Tem então cerca de 7500 fusos de fiação em
laboração e emprega cerca de 500 trabalhadores.
Procedem à compra de um terreno na
freguesia de Tamel S. Veríssimo, na margem direita do rio Cávado. A implantação
do edifício, com condições para a instalação de raiz de uma nova fábrica, para
além de permitir o aumento de produção facilitou o trabalho penoso dos seus
trabalhadores, tendo sido
foi dotada de meios de purificação do ar interior.
Nesta altura a fábrica passa a deter
cerca de 10000 fusos de fiação e uma maior capacidade de torcedura e
tingimento. Novas máquinas são adquiridas, assim como é renovado o laboratório
físico, permitindo à empresa um controlo de qualidade de todo o processo de
produção.
Esta mudança, traz consigo uma alteração
significativa. A maquinaria usada começa a não necessitar de tanta mão de obra,
razão pela qual, embora aumentando a produção e o valor acrescentado, o número
de operários começa a ser significativamente reduzido.
O surgimento da indústria de malhas, com
particular incidência em Barcelos, e a “revolução dos Cravos”, com a
consequente abertura do país ao mundo, faz com que a procura do têxtil em
Portugal subisse de modo exponencial.
A Fiação de Barcelos continua a crescer.
No final dos anos 80, possui em pleno funcionamento mais de 12000 fusos de
fiação. A procura é de tal modo que a empresa envereda também por uma atividade
comercial digna de registo, pois, para além de vender tudo o que produzia,
comprava no mercado externo quantidades que chegaram a ser de igual soma e que
revendia à florescente atividade nacional.
Em 1991, a Fiação de Barcelos, assume o
seu último e porventura maior investimento. São adquiridas máquinas de fiação
do mais avançado que se conhece. Para além da tecnologia que tinham, davam-se
os primeiros passos na automação. Foram estas as máquinas que revolucionaram a
produção da Fiação de Barcelos nos últimos anos de existência.
Neste projeto de investimento, teve
lugar também a construção de raiz de uma nova tinturaria, que para além do
edifício, contou com a substituição de todas as máquinas de tingir, equipado
com um laboratório químico e com a construção de uma ETAR, para tratamento das
águas residuais da tinturaria, uma das primeiras a ser instalada e a entrar em
funcionamento.
A entrada do novo século traz uma nova crise a toda a indústria têxtil. A Fiação de Barcelos, a exemplo de muitas outras, não foi capaz de resistir, acabando por fechar no final da primeira década do século.
7. 3.
A “Tebe”
A “Tebe”, Empresa Têxtil de Barcelos,
Lda., fundada em 1945 por João Duarte, Mário Campos Henriques, Francisco
Torres, Nunes Hall, Eugénio Pinheiro e outros pequenos sócios, tinha como objeto
a confeção de malhas e passamanarias, dobagem de fio e tinturaria.
Em 1965, Mário Campos Henrique perante o
desentendimento dos sócios fundadores, preparou a compra de surpresa da empresa
com um empréstimo do Banco Português do Atlântico, avalizado por um grande
industrial de Santo Tirso.
O episódio da compra é relatado por
Daniel Cerqueira, desde muito cedo o homem de mão do industrial.
A dissolução da sociedade foi realizada
no cartório notarial da então Avenida Salazar, pelo Dr. Porfírio. No momento,
Mário Campos Henriques assume-se como comprador das quotas dos outros sócios
perante a incredulidade de todos, que foram apanhados de surpresa pela
disponibilidade financeira de Campos Henriques.
Combinado com Daniel Cerqueira e o
motorista da empresa, que aguardavam na avenida com o dinheiro contado e metido
em envelopes para cada um, Campos Henriques assomou a uma janela e mandou subir
os ajudantes, pagando a cada sócio o que tinham combinado, com a
particularidade de ter pago a parte de Nunes Hall, por quem Campos Henriques
não nutria simpatia, em notas de 20$00. O protesto de Nunes Hall foi indeferido
pelo notário com a resposta de que o valor total era o que contava.
Campos Henriques manteve como sócio, com
1% do capital, o seu cunhado Henrique Calheiros.
Até à data da sua morte prematura, em
1972, Mário Campos Henriques desenvolveu muito a empresa que se tornou uma
grande confecionadora de malhas de algodão, de seda, renda, nylon, roupas e
tecidos para casa, as famosas termotebes, camisolas exteriores, e “toneladas de
equipamentos desportivos” para a Nike e a Adidas, ou para os maiores clubes
portugueses, Barcelona ou Real Madrid. Teve também uma camisaria. A Tebe foi
desde sempre uma fábrica desenvolvida tecnologicamente.
“Nas instalações tinham cartonagem,
tipografia, carpintaria, serralharia, quase tudo”, lembra Daniel Cerqueira.
Campos Henriques era “um vendedor extraordinário”,
tinha os clientes na mão”. Corria as feiras internacionais e foi presidente da
associação dos industriais do sector. Pagou toda a dívida contraída na
aquisição da empresa em cujas instalações trabalharam muitos barcelenses. O
depois também industrial Quinta e Costa foi um deles, os irmãos Freitas,
oriundos do Porto, foram dos técnicos de máquinas mais relevantes da Tebe.
A empresa empregou cerca de 700
trabalhadores, dos quais cerca de um quarto eram qualificados e faziam formação
frequente e fundou três sucursais: a Olympos, em Ponte de Lima; A Milopos, em
Santa Marta de Portuzelo e a Posolis em Padim da Graça. Estas três empresas
empregariam mais cerca de 600 trabalhadores.
Desde cedo a Tebe exportou parte da sua
produção para Angola, Moçambique e Inglaterra. Depois surgiram outros mercados
como os EUA e naturalmente a França.
No tempo de Campos Henriques, a Tebe
chegou a ter uma equipa de ciclismo que participou na volta a Portugal, uma
equipa de hóquei em patins que chegou a ser campeã do Minho e mais tarde uma
equipa de futsal. Um grupo coral, uma piscina e balneários ao dispor dos
trabalhadores, refeitório com estufa e frigorífico. Um infantário, posto médico
e um boletim social, semestral.
Depois da morte de Campos Henriques, a
empresa foi vendida ao empresário francês Leo Gros, a quem sucedeu o filho
François Gros e a mulher Nöel Gros, criadora da marca de vestuário infantil
Petit Patapon, acabando por encerrar na primeira década deste século.
7. 4.
A “Guial”
Fábrica de Malhas Guial era o nome mais conhecido
e que estava previsto em escritura, da sociedade celebrada, em 6 de maio de
1953, por Alberto Guimarães e Óscar Alçada, com um capital de 1500 contos. Aos
dois sócios competia a administração e gerência, segundo a escritura pública.
Aos sócios iniciais juntaram-se os
conhecidos proprietários barcelenses, Teotónios d’Afonseca. Mais tarde, Eugénio
Pinheiro acabou por comprar a quota destes proprietários e, já na década de 80,
a dos sócios iniciais, tornando-se o único proprietário da empresa
Guial era a marca dos produtos, uma das
marcas barcelenses com projeção nacional, um nome que se confundia com o nome
da empresa.
A fábrica, instalada junto ao rio
Cávado, em frente ao Bairro da Misericórdia, tinha tinturaria, tricotagem de
malhas, uma secção de peúgas, confeção de lingerie e outras roupas interiores
para senhora e homem, camisas de dormir e robes para senhora. Inicialmente
tinha também cartonagem, que depois acabou. Produziam poucas roupas exteriores.
Trabalhava 24 horas por dia. O
acabamento das peúgas e a confeção ocupavam a maior parte dos operários. Chegou
a ter entre 350 a 400 trabalhadores. Quando fechou tinha 120 a 130.
Produzia para o mercado interno e peúgas
para Moçambique, era Eugénio Pinheiro que as vendia para lá, depois este mercado
fechou.
Tudo inicialmente girava em volta de Alberto
Guimarães. Óscar Alçada, natural de Trás-os-Montes, começou por trabalhar na
fábrica Barcelense.
A empresa sempre trabalhou para o
mercado interno, depois começou a trabalhar para o exterior mas não
diretamente. O primeiro cliente externo foi a Eurextil. Alberto Guimarães era
contra a exportação. Só começaram a exportar depois de 1974, antes não havia
exportação.
Tinham oito teares ketten para fazer a
malha para a lingerie principalmente para um cliente holandês. O conjunto de
senhora era composto pela combinação, a camisa de dormir e o robe.
Em 2006 é criada a Confeguial,
Confecções Têxteis, Lda devido aos múltiplos problemas económicos que a empresa
enfrentava. Em 25 de agosto de 2011, a Fábrica de Malhas Guial acabou por ser
liquidada.
7. 5.
A “Tor”
A Tor, “Torres e Companhia, Limitada”
foi fundada em 1959 por uma sociedade constituída pelo médico Francisco Torres,
os filhos engenheiro Francisco Torres e o também médico José António Torres;
Vicente Mahiques Senti, Telmo Moreira de Carvalho e Eduardo Teixeira de Sousa.
Francisco Linhares, que conta um pouco
da sua vivência na empresa, começou a trabalhar na empresa em 18 de junho de
1971, e lá permaneceu durante 38 anos, até 8 de setembro de 2008, quando a
empresa fechou. Dez anos depois, em 2018, o Novo Banco não recorreu novamente e
a decisão de falência tornou-se definitiva. Os trabalhadores esperam apenas por
questões burocráticas para finalmente serem indemnizados.
Para além dos sócios iniciais, Eduardo
António, chefe de confeção e principal criador e modelista e Francisco
Carvalho, natural de Vila Real de Trás-os-Montes, bancário, funcionário do Banco
Nacional Ultramarino, tornaram-se também sócios minoritários.
O engenheiro Francisco Torres tinha
anteriormente estudado em Inglaterra e chefiado a secção de teares da Tebe, a
convite de Mário Campos Henriques, acabando por se tornar o principal sócio
quando os pais morreram.
A Tor trabalhava para o mercado interno,
para três agentes comerciais: a Têxtil Nortenha, a Novotil e a Eurextil. Parte
da produção da Tor acabava no mercado externo devido à ação destes agentes.
A produção era essencialmente roupa
interior para homem, mulher e criança: camisolas interiores, slips, culotes,
ceroulas, robes, combinações, pijamas. Três meses por ano faziam roupas
exteriores: polos e t-shirt’s.
O mercado evoluiu e surgiram novos
produtos e novas designações para os produtos.
Na década de 1980, começaram a exportar
diretamente, criou-se então o sector comercial da empresa, para o qual
Francisco Linhares, transitou proveniente do armazém.
Dá-se uma revolução na qualidade dos produtos,
aparecem novas máquinas e novas solicitações dos clientes obrigando a fábrica a
sofisticar-se tecnologicamente. Surgiram as grandes marcas: a primeira foi a S.
Oliver, patrocinadora do Borússia de Dortmund, a O’Neill, a Nike, ou a Billabong.
A produção aumentou muito e o número de
trabalhadores reduziu-se em consequência da maior automação. Em 1971, a empresa
tinha cerca de 1000 trabalhadores e foi reduzindo até aos 230, na data em que
encerrou. No início, a maior parte da mão-de-obra era composta por costureiras
e confecionadoras.
Com a morte do engenheiro Francisco
Torres, a esposa vendeu a sua quota, que era suposto ser comprada pelo
sobrinho, o economista Francisco Torres, mas que acabou por ser comprada pelo
Dr. Carlos Teixeira de Sousa, primo deste, filho de Maria Emília Torres. Dois
novos sócios entraram para a sociedade: António Amaral e Joaquim Pereira, ambos
de Barcelinhos, que recorreram ao crédito bancário para comprar as suas quotas.
A administração foi atribuída a Francisco João Torres, presidente, Carlos
Teixeira de Sousa, vogal e Joaquim Pereira da Silva, também vogal.
Em 2001 são criadas dentro das
instalações da empresa mãe “Têxtil F. Torres, S.A.”, três novas empresas:
Têxtil F. Torres – Tinturaria e Acabamentos III, SA; Têxtil F. Torres Tecelagem,
S.A.; e Têxtil F. Torres – Confeções IV, S.A., sendo o capital social das
mesmas detido a 100% pela empresa inicial, às quais os trabalhadores seriam
alocados sem perda de direitos ou regalias, nomeadamente remuneração e
antiguidade
Foi com esta sociedade que a empresa
abriu falência em 2008.
A Tor era uma empresa muito lucrativa e
financeiramente sólida. Devia aos seus trabalhadores cerca de 4M€ e ao BES
cerca de 2M€, mas o terreno com 16 mil m2 onde estava implantada
estava avaliado em 6M€ no ano em que fechou. Acabou por ser vendido a um
construtor local por um valor muito reduzido relativamente ao avaliado.
7. 6.
António Falcão
Em 1957, António Sampaio Falcão, um dos
maiores empresários barcelenses, fundou a sua própria empresa têxtil. Hoje, o
grupo liderado pelo filho agrega, à empresa inicial, uma outra – a “Fitexar”,
que entretanto se mudou para o complexo industrial de Arcozelo, ocupando uma
área de 22 000 m2. O empresário foi sócio da “Solastique, Sociedade
Industrial de Elastómeros, Lda.”, uma sociedade por quotas com o médico António
Coutinho e Eugénio Brochado (estes últimos, sócios da filial da Renault em
Barcelos) fundada em 1970 e situada em Arcozelo no local das antigas instalações
da serração Domenech. Fundou igualmente a “Fiarel”, uma grande empresa de
fiação, por detrás das Termas do Eirogo, encerrada há vários anos.
Sobre o pai, falecido há pouco tempo, António
Alexandre Falcão, diz que “não foi apenas um industrial, mas um grande
empreendedor, com uma visão invulgar, que teve também investimentos nos setores
imobiliário, agrícola e financeiro”.
Originalmente a “Têxtil António Falcão” nasceu
muito pequena, cresceu paulatinamente tendo atingido os 250 colaboradores,
sobrevivendo às diversas crises do setor. Entretanto reestruturou-se de forma a
manter-se viva e adaptada às condições atuais do mercado. “A concorrência é
maior e mais desleal”, afirma António Alexandre Falcão, pelo que se exige
bastante prudência e aposta em produtos diferenciados, de menor risco, com
clientes parceiros de continuidade.
O Grupo Falcão dedica-se à produção de
fios artificiais de poliéster e poliamida, e também produção de meias e
collants de senhora. Nas meias e collants tem a marca própria “Maggiolly”. Para
satisfazer as grandes cadeias de hipermercados, quer nacionais, quer
internacionais, e outras áreas de clientes, o Private Label é outra das
referências da empresa onde já possui um vasto conhecimento para este tipo de
produção.
No global exportam 60% de toda a sua
produção para mercados europeus.
Nos últimos anos, as empresas tiveram
alguma redução de atividade devido a uma readaptação do sector e da crise na
indústria têxtil em consequência da abertura de mercados e da concorrência de
outros países produtores.
Hoje, a “Têxtil António Falcão” e a “Fitexar”
têm um volume de negócios anual perto dos 10M€ e empregam diretamente cerca de
170 colaboradores, tendo ainda na subcontratação um importante número de
empresas a colaborar.
Apesar de ter mais de sessenta anos de
atividade, António Alexandre Falcão classifica o seu núcleo de jovem. O Grupo
aposta fortemente em inovação contínua e investimentos significativos e
permanentes, mantendo parcerias com Universidades e Centros Tecnológicos,
possuindo certificações ISO 9001 (Sistema de Gestão da Qualidade), Global
Standard Recycled (produtos reciclados) e Oeko Tex Standard 100.
“Uma empresa tem de ser elástica,
crescer e emagrecer consoante os momentos e as realidades. Acredito que o
sector vai continuar a sofrer mudanças, mas terá certamente muito futuro”,
afirma António Alexandre Falcão.
Com formação em Direito e estágio de
advocacia concluído, o empresário faz uso da sua formação na gestão do grupo
empresarial, em que ocupa o cargo de Presidente do Conselho de Administração
(CEO).
7. 7.
A “Sonix”
A “Sonix” foi fundada em 1967. O nome
inicial era “Sociedade Industrial Casal do Nil”, só depois mudou a designação
para “Malhas Sonix, SA”.
Teve três fundadores que não estavam
ligados à indústria e que não ficaram na sociedade que prosseguiu com a
fábrica.
A convite de um dos fundadores formou-se
então uma nova sociedade composta por António Costa, então técnico de
tinturaria; Manuel Figueiredo, afinador de máquinas circulares; José Pimenta,
responsável pelo escritório e Álvaro Vaz, proveniente de Bragança, mais ligado
à gestão. Os quatro dirigiram a Sonix, durante 41 anos. Formaram uma sociedade
por quotas em que todos os quatro sócios trabalhavam.
António Costa, conhecido comandante dos
Bombeiros de Barcelos e pela sua participação na vida política local - em tempos
vereador do município - começou a trabalhar com 15 anos de idade no Porto,
integrou o contingente de trabalhadores que iniciaram a TOR, tendo então
partido para a criação da “Sonix”.
Os quatro iniciaram do zero. Compraram
mais teares, arranjaram agentes comerciais, um para o Porto, outro para Lisboa
e outro para o resto do país. Lançaram uma nova coleção que teve muito êxito.
Os credores facilitaram-lhes a vida e com esse crédito compravam o fio à Coelima,
considerado o melhor fabricante.
A produção de camisolas interiores,
slips, t-shirts, polos e outro vestuário, para além de roupas para o lar, era
cerca de 90% para o mercado interno. Começaram com 36 trabalhadores, em 2008
tinham mais de 200. Eugénio Pinheiro era um dos grandes clientes. Vendiam para
os armazenistas que por sua vez vendiam aos consumidores.
A Next, inglesa deu-lhes ânimo e muitas
encomendas e começaram a vender para a Inglaterra e a Espanha (Zara, Corte
Inglés). A Next era um cliente comum à maioria das empresas barcelenses.
“As margens de comercialização eram
boas, nós fazíamos o preço”, refere António Costa. Tinham muitos pequenos
confecionadores a trabalhar a feitio para a Sonix, uma prática corrente com
outras empresas.
“Barcelos sucedeu a Barcelona como o
grande centro de produção de malhas”, afirma António Costa.
O industrial descreve a sua empresa como
financeiramente sólida tendo atravessado todas as crises sem qualquer problema,
incluindo o período perturbado da revolução. “Nunca houve nenhuma greve. Os
pagamentos eram sempre pontuais. Pagavam o décimo terceiro mês sem ele ainda
estar instituído e faziam um seguro de reforma para os trabalhadores”.
“A fábrica tinha uma creche com dois
funcionários, um parque infantil e um médico diariamente. As refeições das
crianças eram oferecidas. Só saíam aos 7 anos para ingressar na escola primária”.
8. O
caminho para a modernidade
A Sonix acabou vendida, em 2008, a
Conceição Dias, uma empresária barcelense, antiga costureira, criadora do
talvez maior grupo têxtil barcelense da atualidade, que integrava, em 2017, de
par com a Sonix, a Diastêxtil, a Modelmalhas (ex-CEE) e a Startex Fashion (na
Tunísia), mas que já depois dessa data adquiriu uma outra fábrica de confeção
com cerca de 30 pessoas, numa estratégia para garantir mão de obra que
escasseia na região.
O grupo Diastêxtil
começou há 33 anos e o seu crescimento tem-se feito também através da expansão
das empresas já existentes. Na Sonix estão previstos investimentos na ordem dos
2,5 milhões de euros. A Modelmalhas, mudou de instalações em 2018 num
investimento a rondar os 4 milhões de euros.[15]
Ainda em 2018, o
Grupo adquiriu parte dos ativos da falida Ricon, de Ribeirão, elevando o número
de trabalhadores para cerca de 600 e o volume de faturação para 60 milhões de
euros anuais.[16]
Notícias mais recentes dão conta da desistência do grupo Diastêxtil nesta compra
e o despedimento de parte dos trabalhadores da Ricon devido às oscilações no
mercado.
Outro grupo industrial barcelense de
monta, da atualidade, tem como cabeça a Valérius Têxteis.
8. 1.
A Valérius Têxteis
A “Valérius” nasceu como uma indústria têxtil,
sobretudo de confeções de moda e é hoje a cabeça de um grupo diversificado, com
sede em Barcelos, que inclui empresas e participações no ramo automóvel, a
Camport, no calçado, e a conhecida, prestigiada e histórica Ambar, cuja
produção acabou de ser transferida do Porto para Barcelos, criando 110 postos
de trabalho.
O Conselho de Administração, cujo
presidente é José Manuel Ferreira, é composto por 10 pessoas, em que cada
membro vale um voto. Na sua estrutura orgânica, possui vários diretores executivos
(CEO’s).
Comprada há pouco mais de dez anos por
José Manuel Ferreira e Lucinda Barbosa (vice-presidente), ambos já com uma
larga experiência na indústria, a Valérius tornou-se um caso de muito sucesso.
Quatro estações de corte automático,
equipamentos especializados em peças técnicas, prazos de entrega em seis
semanas, uma produção flexível, adaptada desde pequenas até grandes encomendas,
são as principais valências da empresa.
Em 2017, a Valérius têxtil faturou, 32
milhões de euros, empregando diretamente 140 pessoas. 60% da sua produção é
feita em subcontratação, em empresas do distrito e de outras zonas do país,
entre outras razões pela falta de mão de obra no Concelho. Toda a produção é
exportada. Em Barcelos, têm apenas uma linha de corte e confeção, para pequenas
séries, o acabamento, controle de qualidade e o embalamento.
Ocupam uma área de 3500 m2.
Do outro lado da rua, em Vila Frescaínha de S. Martinho, têm uma unidade de
investigação e desenvolvimento e a Valérius 360, com cerca de 30 trabalhadores,
que garantem o futuro do Grupo em matéria de novos produtos e projetos.
A aposta da Valérius 360 é que todas a
roupas voltem à fábrica para dar origem a novos produtos. A par da ambição de
ser a primeira empresa europeia do setor a pôr em prática os princípios da
economia circular, aponta para que dentro de 5 anos 25% das peças sejam
produzidas com têxteis recuperados e que em 10 anos a reciclagem represente já
45% do negócio.
A empresa usa mão de obra intensiva, de
onde partem os maiores custos, que o gestor calcula em 80% do total. As
necessidades de mão de obra são prementes e a empresa vai proceder à formação
do seu próprio pessoal criando um centro de formação, queixando-se da
desadequação do ensino existente.
A aposta é nas vendas on line, enquanto que as lojas físicas
não estão nos planos dos empresários.
José Manuel Ferreira afirma que “a
têxtil, em Barcelos, tem futuro. No vale do Ave há uma exposição muito grande
das empresas à Inditex”, 60%, calcula.
8. 2.
A P&R Têxteis
Fundada em 1982 por Duarte Nuno Pinto e
Laurentino Ribeiro, a P&R Têxteis é, desde 1988, uma empresa familiar cujo
capital social é totalmente detido por Duarte Nuno Pinto e a esposa, Maria da
Ascensão Pinto, atual presidente do Conselho de Administração.
O empresário concluiu a sua formação na
Faculdade de Economia do Porto, em 1977, onde participou nas lutas estudantis
contra o antigo regime, tendo sido detido duas vezes. Depois, ainda trabalhou
para um grupo empresarial no Porto antes de participar na fundação da P&R.
Nos últimos tempos teve uma nova
passagem pela vida política, tendo sido presidente da Assembleia Municipal de
Barcelos, eleito nas listas do Partido Socialista.
Começando por produzir têxteis
tradicionais, a partir de 1995, a P&R especializou-se na produção de
artigos técnicos desportivos, devido à forte concorrência nacional e
internacional existente no sector. Equipou, por exemplo, o lendário velocista
Usain Bolt. Continua a fornecer a camisola amarela e as dos restantes líderes
do Tour de France, uma das mais prestigiadas e importantes competições
desportivas do mundo. Produz os equipamentos dos atletas de muitas das
modalidades presentes nos Jogos Olímpicos, de Verão e de Inverno, desde 1996. E
ainda tem uma marca própria, a Onda, marca vocacionada para os desportos
aquáticos (surf, bodyboard, etc), que representa cerca de 15% de toda a sua
produção.
Asics, Adidas, Puma e uma parceria com a
Le Coq Sportif, são as principais marcas produzidas pela P&R.
Faturando atualmente cerca de 16M€ e
empregando 220 pessoas, a P&R é certificada com a norma de qualidade ISO
9000 e de responsabilidade social, ISO 8000, atestando o cumprimento de todos
os direitos dos seus trabalhadores.
Faz parte desde 2008 da COTEC
(Associação Empresarial para a Inovação e Cooperação Tecnológica), tendo sido a
primeira empresa têxtil a fazê-lo.
Instalada na freguesia de Tamel S.
Veríssimo, em 2017/2018, a empresa investiu cerca de 5M€ duplicando e
modernizando as suas instalações fabris e administrativas, onde funciona um
centro de formação, (uma “academia”), em parceria com o IEFP, para garantir a
atualização profissional dos seus funcionários.
A elevada qualidade dos seus produtos é
garantida pelas parcerias com o Centro Tecnológico da Indústria Têxtil –
CITEVE, com as Faculdades de Ciência e do Desporto das Universidade de Coimbra
e do Porto e com o Comité Olímpico Português.
9. Conclusão
É praticamente incontável o número de
empresas e de trabalhadores da indústria têxtil existente no nosso Concelho,
contando com a economia informal. Barcelos especializou-se neste tipo de
indústria ao longo do século XX, remetendo a cerâmica, ex-libris do Concelho,
mais para o domínio do artesanato.
A experiência feita conhecimento,
adquirida ao longo de décadas, assegura a Barcelos um futuro sólido no sector
secundário, pesem as oscilações conjunturais por que toda a economia passa.
Os últimos exemplos relatados são apenas
uma amostra de um numeroso portefólio
de empresas têxteis que o Concelho alberga, de uma ponta a outra: Impetus,
Sidonios, Cordeiro Campos, Becri, Givec, Silsa, Somália, Jadifex, são outros
casos maiores e mais consolidados, a par de umas quantas outras e de uma rede de
microempresas em regime de subcontratação.
A aposta na moda, nos têxteis técnicos,
na economia mais avançada, está aberta por estas empresas que sucederam aos
pioneiros do século passado, e pelos constantes investimentos em inovação e
desenvolvimento, ou pelo esforço de criadores jovens, como o caso mais recente da
Smartex, uma startup em que participa um barcelense criado na indústria têxtil local.
A Kristaltek e a KTK, pertença de
empresários têxteis experientes, são também um caso do rumo que estes
industriais já abriram na construção e comercialização de máquinas e
instrumentos para o sector. Um caminho provavelmente nunca antes sequer imaginado
nas mais remotas cogitações dos industriais barcelenses, que se serviam das
economias mais avançadas da Europa e do mundo para equipar as suas fábricas.
Mas Barcelos não é exclusivamente
indústria têxtil. Neste trabalho não foi referida a indústria de calçado que se
localiza nalgumas freguesias do Concelho (Carvalhal sobretudo), a fábrica de
charcutaria Carnes Landeiro, em Silveiros, pese a sua origem no vizinho
concelho de Famalicão, ou “A Vianense”, histórica fábrica de chocolate
recuperada no extremo norte do Concelho por um empresário barcelense.
A significativa atividade agrícola e
pecuária continua no entanto a emprestar um certo carácter rural ao Concelho.
Os moinhos, ou as ruínas deles; as altas
chaminés de tijolo das primeiras fábricas, de que poucas restam; os silos da
Fábrica Vouga; a estátua de João Duarte, o edifício da sua fábrica histórica, a
avenida com o seu nome, o bairro e as casas dos seus trabalhadores; o edifício
da Tebe, na “rua das fábricas”; são os testemunhos históricos daquilo que
poderia ser um roteiro turístico pelo património industrial barcelense. Uma
memória ainda de pé que nos permite conhecer melhor o nosso passado, o nosso
presente, o nosso futuro.
AGRADECIMENTOS
Agradeço a colaboração e a simpatia do Dr. Victor Pinho e do sr. Fernando
Alves; da Dra. Paula Costa e Dra. Cláudia Milhazes, do Museu de Olaria; do Sr.
José Leite e Dra. Filomena Carneiro, do Arquivo Municipal; do meu amigo José
Salvador Ballester; e o esforço inglório do meu ex-aluno Rafael Matos.
Esta é uma história contada na primeira
pessoa por muitos daqueles que a viveram. Por isso também muito agradeço a
simpatia, os testemunhos, a amabilidade e a colaboração inestimáveis dos
senhores Daniel Cerqueira (Tebe), António Sousa (Fiação), Francisco e “Neca”
Linhares (Tor), José Freitas e Augusto Machado (Barcelense), do meu tio
Francisco Fernandes (Guial), do engenheiro David Bogas, de Paulo e Nuno
Gonçalves (Magrou) e dos empresários: António Costa (Sonix), ex-vereador da CMB
e ex-comandante dos Bombeiros Voluntários de Barcelos - entretanto tristemente
falecido - do Dr. António Alexandre Falcão (Falcão Têxteis), de José Manuel
Ferreira (Grupo Valerius) e do Dr. Duarte Nuno (P&R).
Bibliografia
Costa, C. & Gonçalves, F. (2016)
Galo de Barcelos Património e destino turístico. - Revista Turismo-annotated
Correia, Adélio Marinho Macedo, (2017) João Macedo Correia, 1908-1987. O Legado de
um Ceramista, coedição do Município de Barcelos e do Museu de Olaria, SEDA
Publicações, Porto
Correia,
João Macedo (1965), Louças de Barcelos
(Cadernos de Etnografia), Museu de Cerâmica, Barcelos
Correia, João Macedo (1967) Suplemento literário 698, do Jornal de Notícias, de 24/8
Pinho, Victor, Fascículo de História do Jornal de Barcelos, nº11, sobre Arcozelo (II),
Barcul, Sociedade de Comunicação e Cultura, S.A.
Pinho, Victor, (2017) Dicionário de Barcelenses, Município de
Barcelos
Pinho, Victor e Alves, Fernando, (1999) D. José Domenech defensor do trabalho e
prestante cidadão, Câmara Municipal de Barcelos
Pinho, Victor (2003, 2004, 2005), A elevação de Barcelos a Cidade,
Barcelos Revista, Câmara Municipal de Barcelos
Rocha Peixoto, (1966) As
olarias de Prado, Barcelos, Museu Regional de Cerâmica
Sem autor, (1967), João Duarte, Um homem uma obra, Barcelos
[1] João
Macedo Correia, Suplemento literário 698, do Jornal de Notícias, de 24/8/1967
[2] Rocha
Peixoto, as olarias de Prado, in “Portugalia”, t. I, pp. 227-270, citado pelo
mesmo autor
[3] E. Lapa
Carneiro, Donde vem a confusão entre Louças do Prado e Louças de Barcelos,
citado por João Macedo Correia em Louças de Barcelos (Cadernos de Etnografia),
Museu de Cerâmica, Barcelos, 1965
[4] Adélio
M. M. Correia, in “João Macedo Correia (1908-19879, O legado de um ceramista,
coedição Município de Barcelos, Museu de Olaria, 2017.
[5] Adélio
M. M. Correia, da mesma obra.
[7] Obra
citada, fundamentada na imprensa barcelense da época.
[8] Obra
citada
[9] Obra
citada
[10] Victor
Pinho, fascículo nº11, sobre Arcozelo, do Jornal de Barcelos
[11] Idem
[12] “João
Duarte, Um homem uma obra”, 1967, Barcelos, sem autor, mas atribuído ao Padre
Avelino, amigo chegado de João Duarte, a Manuel da Graça Gonçalves Pereira
(empregado de escritório da empresa) e ao administrador Luís Vieira.
[13] Obra
citada.
[14] Toda a
história da Fiação de Barcelos se deve ao contributo inestimável de António
Sousa, ex-funcionário da empresa.
[15] Jornal
Têxtil, setembro de 2017
[16] António
Larguesa, Jornal de Negócios, 16 de março de 2018
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